quinta-feira, 28 de agosto de 2008

regalos XXIX

(Aldeia da Cuada, Flores - 08 Jul 2008)


A MESA

Ainda um pouco de pão recesso sobre a mesa da cozinha.

Quem o terá deixado entregue às aves? Como terá sobrevivido tantos anos sem ter alimentado algum animal?

Um segredo a que nem a casa sabe responder. Silêncio.

Vou para Casa, Jorge Reis-Sá

domingo, 24 de agosto de 2008

MIMO 16º


"Pousei as minhas mãos num rosto e retirei-as feridas pelo amor."

Antonio Gamoneda

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

...

Entrada Azul, 1980 - Helena Almeida


... entrar...sem "r's"...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

afagos XXIX


Toco a tua boca.

Com um dedo, toco a borda da tua boca, desenhando-a como se saísse da minha mão, como se a tua boca se entreabrisse pela primeira vez, e basta-me fechar os olhos para tudo desfazer e começar de novo, faço nascer outra vez a boca que desejo, a boca que a minha mão define e desenha na tua cara, uma boca escolhida por mim com soberana liberdade para desenhá-la com a minha mão na tua cara e que, por um acaso que não procuro compreender, coincide exactamente com a tua boca, que sorri por baixo da que a minha mão te desenha.

Olhas-me, de perto me olhas, cada vez mais de perto, e então brincamos aos ciclopes, olhando-nos cada vez mais de perto. Os olhos agigantam-se, aproximam-se entre si, sobrepõem-se, e os ciclopes olham-se, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam sem vontade, mordendo-se com os lábios, quase não apoiando a língua nos dentes, brincando nos seus espaços onde um ar pesado vai e vem com um perfume velho e um silêncio. Então as minhas mãos tentam fundir-se no teu cabelo, acariciar lentamente as profundezas do teu cabelo enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de uma fragância obscura. E se nos mordermos a dor é doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo do fôlego, essa morte instantânea é bela. E há apenas uma saliva e apenas um sabor a fruta madura, e eu sinto-te tremer em mim como a lua na água.
O Jogo do Mundo (Rayuela), Julio Cortázar

terça-feira, 5 de agosto de 2008

NÃO ESQUECER XXXIX

Há 9 anos, o meu Pai...


Chovem pais e filhos sobre os campos,
terrenos de árvores húmidas, outono.
Os pais tentam sempre proteger os filhos,
essa é a natureza que corre nas árvores,
essa é a lei e esse é o sentido. É outono
e não poderia ser outra estação, começou
o frio e a fome, olho a força dos campos
pela janela submersa deste último outono
e compreendo por fim a minha idade:
chovem pais e filhos de mãos dadas.
Lá longe, sou pai. Lá longe, sou filho.

Gaveta de Papéis, José Luís Peixoto