domingo, 30 de março de 2008

afagos XXIII


XII. onde se enterra o mar

Tenho de ir comprar remédios à farmácia que hoje, por ser domingo, fica longe. Irei, e tentarei usufruir o percurso com uma língua que, enquanto ando__fala.

Escrever na rua, sem consignar por escrito, atenua a dor que sinto e proporciona, nestas circunstâncias, um simulacro de prazer. Um outro corpo (estranho), incorporou-se num homem vivo que não lhe pertencia, e ainda não quero saber se o levará. Ou não.
Às vezes, ao contrário do que a maioria pensa, falo indirectamente do que seria menos inteligível se falasse directamente. Neste sentido, minha lucidez é explícita,
mas enquanto caminho penso na pedra, no corpo atingido, e na trajectória. terá sido perfurado o invisível? Como poderei acreditar que sei.
Chego à farmácia. Ela é palpável, o frasco de comprimidos é palpável, mas eu não. Estou a desvanecer-me num efeito misturado de língua e dor que me poderia transportar o remédio e chegar a casa sem ser vista por alguém.


XCII. beirais

_______se estiveres ausente (automóvel, comboio, avião, mudança de estação ou de cidade), compra um papel simples que te comunique e envia-mo pelos meios mais eficazes ao teu alcance, e que te revelem como comprimido a desfazer-se debaixo da língua.

AMIGO E AMIGA - Curso de Silêncio de 2004, Maria Gabriela Llansol