Acerca da irresolução*
A irresolução é também uma espécie de medo que, ao reter a alma como que numa balança sopesando as várias acções que pode desenvolver, faz com que não execute nenhuma delas, ganhando assim tempo para escolher antes de se decidir, o que, se tem algo de bom, se torna mau quando dura mais do que devido e quando gasta a deliberar o tempo que devia ser utilizado para agir. Digo, pois que é uma espécie de medo, embora possa acontecer, ao vermo-nos perante várias opções de bondade aparentemente igual, sentirmo-nos hesitantes e inseguros sem que isso nos inspire o menor receio; a verdade é que essa espécie de irresolução deriva apenas do assunto com que nos deparamos, e não de uma emoção espiritual; é que não se trata de uma paixão, ainda que o receio de falhar na escolha faça crescer a incerteza. Mas este medo é tão vulgar e tão forte em alguns de nós que, frequentemente, mesmo quando nada há para optar e apenas existe uma coisa a pegar ou largar, nos paralisa e nos põe inutilmente à procura de outras saídas; este exagero de irresolução tanto deriva do excessivo desejo de fazer bem como de uma fraqueza do entendimento, que se move na confusão e na falta de ideias claras e distintas; o remédio contra tal abuso é habituramo-nos a fazer julgamentos certeiros e precisos acerca de tudo aquilo que se nos depara, e acreditarmos que cumprimos sempre o nosso dever quando executamos o que pensamos ser melhor, mesmo que possamos avaliar muito mal.
MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA
*Texto retirado do JL 983